segunda-feira, fevereiro 5

ODE-ELEGIA



Iº Andamento

Com a morte na alma e a alegria nas mãos caminhei na noite escura de Lisboa, por entre prédios que me olhavam, das suas fachadas hieráticas, com o vítreo espanto de olhos onde se lê a felicidade perdida e a miragem futura.

Praça de Londres: a estátua de um casal abraça-me ironicamente,

Duque de loulé: passa por mim o «vieux Salamano», son chien est sa chose, sinto o absurdo à flor da pele, estremeço,

Rua de São Bento: sinto estreitarem-se os prédios sobre mim, apresso o passo na ânsia de começar a escrever,

A Botica: faço-me prescrever um café duplo

Casa: arrumo o que me parecem destroços de barcas perdidas num mar de quimera recentemente aflorado

Ligo o computador: renasce-me o ser, a fonte volta a brotar, tenho de escrever.



IIº Andamento

Na voragem das linhas convergentes,
dois membros se elevam entrançados,
na vela que vela reflectida na janela,
nas espirais de corpos incensados,
na salsugem que a pele doce irrita,
no segredo dos corpos perfumados,
na vertigem, na espiral, no receio
dos corpos que agora se apartam,
na franqueza doce e triste de um olhar,
a dupla catedral almejada,
na sombra rediviva e anunciada,
a saudade de uma vida desejada,
e os pés caminhando sós na noite escura
aguardam companhia para a estrada.

IIIº Andamento e seguintes

(os futuros andamentos ainda estão por sentir, por fluir, por escrever...)

1 comentário:

Sofia Freire d'Andrade disse...

Lindo Ricardo...apenas Lindo, só poderia...