terça-feira, maio 5

Eu quero que a minha cadela seja Conselheira de Estado



Toda a gente acha que sou um pouco louco porque falo com a minha cadela. Estão no seu direito, tal como é o meu direito ter acesas discussões com a Bruni. E falamos de tudo, das coisas boas como das más, de política como de religião, dos pretendentes quando está com o cio (embora nestas alturas ela tenha alguma dificuldade em acatar as minhas preocupações de pai preocupado), de filosofia como da sua absurda propensão para bater o rabo às testemunhas de Jeová. Ela ouve, atenta e de olhos bem abertos, umas vezes fica com ar pateta a olhar, outras lambe-me as mãos, outras ainda lança as orelhas para trás e faz olhos de Gato das Botas do Shreck. E assim nos entendemos nesse duro labor que é a educação de um filho.
A Bruni já fez dois anos e nunca me desiludiu. Lenta e pacientemente nos vamos adequando um ao outro.
Hoje, antes de começar a trabalhar fui dar uma vista de olhos pelas notícias online e deparei com algo de espantoso, algo que causou alguma perplexidade à Bruni e a mim uma grande dor de cabeça para lho explicar. A notícia, sobre o caso de escroquerie do BPN, rezava assim:

"Manuel Dias Loureiro afirmou hoje, na Assembleia da República, que Vieira Jordão, administrador da Sociedade Lusa de Negócios, não foi "peremptório" na oposição à compra de duas empresas em Porto Rico - num negócio que acabou por resultar em elevados prejuízos para a SLN.

A compra das duas companhias, operação em que Dias Loureiro participou, inseria-se numa lógica de investimento na área das novas tecnologias e, por isso, foi pedido o parecer de Vieira Jordão, responsável pela área na Sociedade Lusa de negócios. Aos deputados da comissão de inquérito ao caso BPN, Dias Loureiro sustentou que não teria avançado com o negócio se Vieira Jordão tivesse sido "peremptório".

Em declarações ao PÚBLICO, quando o assunto foi noticiado, Vieira Jordão garantiu ter-se pronunciado por escrito contra a concretização da compra das duas empresas, operação que considerava "ruinosa"." in "O Público" (05-05-2009)

Finda a leitura, a Bruni olhou-me com os olhos de quem diz que o que acabara de ouvir não se conciliava com a lógica e os princípios a que estava habituada. Para ela de nada importava o serem o não peremptórias as ordens de não atravessar as ruas sozinha, não fazer as necessidades dentro de casa, não ladrar como uma doida, não roubar comida, ou não puxar como um tractor quando vai fazer as necessidades! Sabe que não pode atravessar as ruas sozinha, nem fazer as necessidades dentro de casa, nem desatar a ladrar como uma histérica, nem assaltar a dispensa e o prato alheio, ou deslocar-me os braços aquando das saídas. Estes eram pontos para ela claros independentemente de serem ou não por mim proclamados de forma peremptória.
Assim, tive de me servir de exemplos para lhe explicar que todos temos limitações: eu tenho alguma dificuldade em aceitar os namorados dela quando está com o cio, ela em carregar no botão do elevador e abrir a porta da rua, e o Dias Loureiro em perceber enunciados simples.
E a Bruni entendeu perfeitamente e abanou o rabo com quem diz que uns podem ter limitações emocionais, outros físicas e outros ainda intelectuais.
Fiquei admirado com o poder de síntese da Bruni e com a objectividade da sua análise. Mas mais espantado fiquei quando me segredou na orelha, por entre duas lambedelas, uma dúvida mordaz: "Então quer dizer que um Conselheiro de Estado pode ser intelectualmente limitado ao ponto de não compreender a comunicação por escrito de Vieira Jordão?
E eu fiquei sem resposta. Assim sendo, fiquei a matutar e cheguei à seguinte conclusão. Quem devia ser Conselheira de Estado (com alcavalas pagas em croquetes e lambarices de cão) era a Bruni! E isto porque:
a) sabe escutar,
b) não delapida o património (ainda tem o mesmo osso de borracha que lhe ofereci em cachorrinha),
c) não rouba nada em casa nem fora de casa,
d) só faz merda nos locais devidos,
e) e percebe tudo o que eu lhe digo sem que tenha de empregar um tom peremptório.