sexta-feira, fevereiro 16

Fernando Guilherme Azevedo, poeta maldito dos nossos tempos, destruidor de mentalidades burguesas, louco, bêbedo e grande amigo



Pois é menino, no meio dos grandes e dos meu alinhavar de palavras, chegou agora a tua vez.
Não vou espetar aqui a tua carantonha uma vez que as pessoas se iam assustar e deixavam de te comprar os livros e lá se ia o dinheirito para os copos e para aquele morder as consciências das merdosas anafadas, dos maridos mais ou menos cornudos, dos imbecis mais ou menos esclerosados que, tantas vezes, nas nossas conversas, entre um copo teu e um café meu, longamente, te vi exercitar.


E eras ferino e corrosivo. Zurzias os fachos e os comunas, as putas e as beatas, os intelectuais de banco de café como os psiquiatras. Eram bons esses momentos passados no café do bairro. E cada vez se tornaram mais raros, agora que mudei de casa e nos vemos menos.

Mas continuo a ler-te e muitas das coisas que disseste, entre os vapores do alcool ou para além da poalha mental dos comprimidos, continuam a ser radicalmente verdadeiras, genuinamente puras e depravadas, torcidas como as raízes da oliveira, etéreas e caprichosas como o voar da vespa, sinuosas e pervertidas num grande coração de anarca louco.

Por isso sou teu amigo. Por seres tão diabolicamente genial quando não bebes e por isso te parto a carola, aqui e sempre, para não beberes. E por saber que a nossa amizade vai continuar para além de todos os teus copos e de todas as minhas partidelas de carola. De qualquer forma, menino, eu não vim para aqui para te lixar a ínclita cornadura mas para te dizer
És um grande!
Já entraste para a minha Academia Íntima de Afectos!

e ,posto isto, falar um pouco da tua obra e dar-te a conhecer se é que alguem vai ler isto para além de nós os dois.

O Fernandinho, residente em São Domingos de Benfica, não apresenta, à semelhança de tantas glórias do mercado livreiro, uma espécie de biografia na bandeira da capa dos livros pelo que, dentro da minha ignorância, vou ter de inventar.
Assim fica mais fixe.
Acredita menino.


Nasceste em data tão remota que o pudor já cobre com um véu, cresceste, multiplicaste-te, ensandeceste, criaste, viveste, vegetaste, criaste, criaste, crias...
Acho que pelo aspecto biográfico despachei a coisa com uma síntese magistral. Agora vamos à bibliografia.

Para além de colaborações no suplemento DN JOVEM do Diário de Notícias e no Jornal de Letras, participaste na Poiésis III (Março de 2000), na coletânea de contos Conta-me Estórias (Abrilde 2000) e na de poesia Incomensurável (Maio de 2000), todos publicados pela MINERVA. Depois veio a ligação à Universitária Editora e com ela o Avulso Esplendor de uma Luz Habitada (2000) e Crónica de um político brilhante: (ou a menopausa dos concordes), já em 2005. Pelo meio ficava o posfácio a Ignota Fauna do Paulo Dinis e Abreu (2005).
E agora, como não tenho grande jeito para a função e caio na lamechice, só me resta acrescentar, citando Paulo Dinis e Abreu e Michel de Montaigne:
Ceci est un livre de bonne foi

e passar à poesia que é coisa mais séria que este meu paleio:

Sou um estrangeiro que passa por mim.
Alheio, disperso.
A transfiguração da idade
Aclara-me, mas névoa.)
A imprecisão atómica do mundo
Sempre nos conduz a uma inabitação
Das coisas que nos entram pelo olhar
Como chama trémula a morrer na calçada.
As pedras.
As imemoriais pedras dos monumentos
Gritam, chamam por nós.
Como se o último, verdadeiro segredo
Fosse retornarmos às estátuas que fomos,
Divindades latentes nos passos que cruzamos
Nos passos uns dos outros.
Porque os caminhos são eternos,
E as fontes sempre jorrarão,
Como crianças leitosas a alcançar-nos
Uma outra forma do mundo
Que finalmente proporcionará repouso,
Estrelas sonolentas no húmus dos olhos.

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Ser solitário é um estado de alma
Que perpetua lençois brancos,
O branco da castidade.
O homem solitário tem no seu olhar
A virgindade com que adora os outros homens,
Com que beija impoluto a Mulher-Mãe.
Ser solitário não é necessáriamente sofrimento,
Porque há encontro dentro de nós,
Na mais íntima construção da fortaleza
Que vence o tremor de flores delicadas
Que, qual verme, por vezes nos assalta de incredulidade.
Ser solitário é sobretudo estar predisposto,
Preparado para não mais o ser,
E de novo voltar a si próprio e à auto-companhia
Quando os ventos dos rostos e dos mundos
Devolvem a acidez onde só a ermida dela nos protege...

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O último telejornal
Germina opiniões especializadíssimas!
Todos comentam as últimas informações
Com uma sabedoria
Que quase são ministros filósofos.
Relembram-se treinos militares
E emborca-se imperiais.
Eu, querendo sossego,
Não mais que verdadeiro, pacífico sossego,
Oiço tudo isto
Como alguém que vem de muito longe.
Tento a todo o custo não escutar,
Mas eles teimam, eles são sábios
Assim, troco forçosamente
As memórias daquela que amo
por uma quase-morte do sentir
Genuinamente.
Oh, tenho tanta pena...
Que esta gente
não se evapore ou emigre,
Ou prepare a cama
Para nunca mais acordar!



e quem quiser saber mais do cromo que és que te vá ler ao teu blog:

http://fernandoguilhermeazevedo-hugoflavio.blogspot.com/



um abraço menino

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