quarta-feira, janeiro 31

MOTIVAÇÃO

O presente texto foi escrito enquanto paródia teatral a todos os teóricos da motivação e às suas patacoadas (caso o leitor não esteja a ver do que se trata e for masoquista pode sempre pedir alguns esclarecimentos aum cinzentão da gestão. Se lhe bastar o modelo contas de merceeiro pode apelar a Sua Excelência o actual Presidente da República).

PRÓLOGO INTRODUTÓRIO
Os últimos resquícios de luz vão-se esbatendo sobre os cortinados bafiosamente carcomidos que ladeiam um palco de tábuas soltas e inseguras a que uma tira de veludo de cor indeterminável debruada com uns ouropeis onde o verdete começava a deixar um rasto de picotado bruscamente interrompido por um símbolo do teatro que, com o seu entrecruzar janiforme, vem dar um cunho respeitável à cena onde, agora, com o passo lento, um velho actor em fim de carreira que, vivendo a vida velozmente não se apercebeu o quão fúteis como fáceis ao olvido são as plateias, se vê presentemente obrigado a pisar o incerto estrado deste teatro de rua. Entra o Narrador, pela esquerda, talhando obliquamente a cena. Nos lábios arvora o sorriso motivado de quem se sente fadado para tudo dominar — como um Julien Sorel que, dominando Paris, exclama: “Maintenant, à nous deux!” —, a quem a graça e o “donaire” dos movimentos conferem solenidade. Quando, na parte de trás do barracão, um velho gira-discos vai começando a debitar o que lhe resta do De Fine Temporum Comœdia de Carl Orff nas estrias desmesuradamente violadas, no ar começa, por entre vénias e salamaleques, a elevar-se a voz gasta e cabotinamente motivada de velho ilusionista do narrador.

NARRADOR

Encarregou-me o autor de ilustrar, com o troar da minha voz, e de assim pôr à prova a Vossa fortaleza ao fazer ressoar, pelos vales côncavos dos vossos pavilhões auriculares, o relato dos tormentos de um grupo de jovens aspirantes a bibliotecários e arquivistas pelas mansuetas agruras do dever tratar o agridoce tema da motivação. Debatiam-se os pobres nas mais loucas e espiraladas convulsões — fulvos como a Americana de Mário de Sá-Carneiro —, os dedos contorciam-se por entre as cabeleiras que serviam de moldura a um grupo de rostos onde o desespero de não ser capaz de levar a bom termo uma empresa que só seria comparável aos hercúleos labores. Foi então que - o ruído e a erosão do tempo não permitiram determinar o autor de tão graciosa intervenção - um fugaz e motivado sorriso floresceu num dos vultos sentados em torno de uma távola redonda onde o efeito da iluminação da lâmpada de halogéneo cedia progressivamente terreno face ao desabrochar de uma esplêndida manhã de Primavera. Os raios benéficos dardejados pela sublime quadriga de Belerofonte infundiram, qual toque de varinha de condão de benéficos efeitos, um clima de motivação no grupo que , como sob efeito de uma descarga de 800 volts no traseiro, se puseram a trabalhar possuídos por um furor divino tão ao gosto platónico mas com a precisão lógica do velho mestre Aristóteles. Os poucos manuscritos que, ciosamente guardo no meu seio, foram-me legados por um velho marinheiro, in articolo mortis, nas convulsões de uma última crise de cirrose por entre o melancólico e soturno matraquear ensurdecedor de uma taberna de Hamburgo. Mas deixemos de parte os convenientes (faz uma vénia com o chapéu tirolês onde uma pluma de falcão cedeu o lugar a uma pena de corvo) e entremos no assunto que é tempo de findar o prólogo. (Vai recuando, por entre vénias e contorções, nos lábios flutua-lhe etéreo, eterno e enigmático sorriso cabotinamente motivado. Uma última tirada) A Motivação cantarei por toda a parte, se em tanto me ajudarem o Engenho e a Arte.
CAI O PANO
FIM DO PRÓLOGO

ACTO I


A cena está deserta e o público em pulgas por beber ansiosamente a continuação de uma tão brilhante quão suculenta farsa trágica. Lentamente, sem pré-aviso, o sipário começa a levantar-se e um silêncio religioso apodera-se da viela onde antes reinava, incontestado e imperturbável, o pandemónio das grandes ocasiões. O Narrador entra e dirige-se à boca desdentada da cena onde, depois de saudar ritualmente o público à direita, ao centro e à esquerda, alarga ritualmente os braços no ecuménico gesto de a todos e com todos querer partilhar a larga e usurada sobrecasaca que porta à laia de traje académico. Os cabelos, a que as cãs dão um ar solene de capelo, engrinaldam-lhe, refulgentes e argentados, a fronte larga e vincada. No ar começam a soar os primeiros acordes do Theme From The 3rd Movement of Sinister Footwear de Frank Zappa a que se contrapõe a voz gasta mas ainda firme do Narrador que começa a ler umas folhas de caderno a que o recorte irregular de um dos lados e o amarelo amarrotado do tempo davam um ar serôdio.


NARRADOR
(Depois de uma última vénia e procurando todos oscular com o seu sorriso contagiantemente motivante)

Como o magnânimo público certamente sabe, na definição de Dana C. Rooks, Motivation is a technique or concept which influences the actions of an individual by integrating personal goals with the organization’s work goals in an environment which can provide a common ground for these competing needs . Ora, como é claro para todos nós, uma tal definição apresenta três elementos fundamentais: o interesse do indivíduo, o interesse da instituição e a coexistência saudável entre estes. Comecemos então, se a gentil audiência tiver a bondade de me acompanhar neste intricado raciocínio, por nos debruçarmos um pouco sobre o círculo ambiental do funcionário de bibliotecas. Por círculo ambiental entendemos o conjunto de elementos que influenciam o funcionário durante a sua actividade profissional: a saber, necessidades/anseios e objectivos pessoais, necessidades laborais, necessidades e valores da sociedade em que se encontra inserido, necessidades familiares e amigos e, finalmente, uma miscelânea de vários factores externos que podem influenciar a sua prestação laboral. Uma tal teia de conhecimentos deve ser dominada pelo gestor, que a tudo deve estar atento e a todos deve atender, e pode ser sintetizada através do seguinte esquema:

(Chegado a este ponto, o Narrador desembesta num frenético sapateado em tudo semelhante a um Fred Astaire possuído pelo Mal de São Vito ou dançando as estranhas e compassadas melopeias de Vinicio Capossella, prossegue, dirigindo-se, por entre piruetas e figuras, para o lado esquerdo onde uma invisível mão, que arvora a pindérica e burguesa opulência de um anel de curso de ouro tão amarelinho que até parece um malmequer amarelo cujo centro tivesse sido substituído por um estranho calhau rolado de cores aquosamente pífias, lhe estende um pequeno apontador. E é vê-lo saltarelar enquanto pedagogicamente vai apontando os diversos elementos a que o benévolo leitor pode ter acesso se tiver a bondade e a paciência de aceder a continuar a presenciar este espectáculo)

Esquema 1: Ambiente motivacional do funcionário (ver post seguinte)
(O Narrador volta a recolher o apontador e, num passe de mágica, fá-lo desaparecer por entre os dedos para dar lugar a um lenço que se irá transformar num coelho com um ramo de rosas entre os incisivos. A plateia aplaude em delírio e, uma vez acalmadas as hostes, o Narrador retoma o discurso)
Um dos aspectos que mais tende a minar os esforços que o gestor desenvolve no sentido de implementar uma política de motivação, prende-se com a existência de um sem número de lendas e de expectativas por estas geradas, e que afectam a cabal implementação de uma política estrutural ou mesmo de medidas conjunturais.
(O Narrador, chegado a este ponto, pigarreia para aclarar a voz, descontrai momentaneamente a magistral postura, beberrica minuciosamente um copo de água e, recompondo a compostura de que tinha abdicado durante breves instantes, ajeita a gravata e prossegue no seu monólogo.)
A primeira destas lendas prende-se com a persistência de alguns dos aspectos da Teoria das Relações Humanas de Elton Mayo, nomeadamente com a questão que diz respeito ao facto de um trabalhador desmotivado não poder ser produtivo como um trabalhador motivado. Com efeito, muito embora se encontrem intimamente ligadas, não existe uma relação bilateral entre a produtividade e a motivação. Um trabalhador pode estar bem inserido no seu meio de trabalho, pode gozar de um excelente relacionamento interpessoal com os colegas e chefias e, no entanto, ser menos produtivo do que um seu colega de contacto difícil e conflituoso mas mais bem dotado no que concerne aspectos como a perícia e a preparação adequada para a função desempenhada. Não se pretende aqui fazer, de forma tão sumária quão simplista, um julgamento negativo da Teoria das Relações Humanas. De resto, é nesta que as teorizações futuras sobre a motivação encontram a sua génese e é devido a esta que as empresas e as instituições puderam gozar de um rosto mais humano por parte das respectivas administrações.
A segunda ideia errónea parte da crença que se pode impor uma política de motivação. A motivação não é um mero problema que possa ser resolvido por decreto como a catolicisação dos judeus por D. Manuel. Ninguém pode forçar ninguém a sentir-se motivado. Cabe ao gestor saber tomar medidas que saibam criar um clima de motivação institucional capaz de influenciar, global e individualmente, a equipe que dirige e uma tal realidade passa por uma intricada rede onde convivem os aspectos individuais a que já atrás fizemos referência. O que não convém perder de vista é que o mais ambicioso dos objectivos seria a criação de um ambiente motivacional em que o funcionário encontre, na sua actividade e no meio, factores de auto-motivação.
(Um lenço de alva cambraia vem agora enxugar algumas gotículas de uma solução salina que apresentam uma estranha forma de pérolas de húmida e quente luz.)
A terceira concepção que pode originar equívocos, prende-se com a crença segundo a qual todos os funcionários podem ser motivados. Tal como não se pode impor uma política de motivação por decreto, também pode acontecer que um determinado número de funcionários não estejam disponíveis para ser motivados. Tal pode suceder por vários motivos entre os quais a manifesta incompatibilidade entre o funcionário e a função desempenhada, devido a uma situação do foro privado que o impede momentaneamente de disponibilizar a sua carga motivacional para o trabalho desenvolvido ou, como é muito frequente no funcionalismo público, no caso do funcionário ter aderido àquela grande família dos funcionários fartos de funcionar.
O quarto grande mito que se associa às teorias da motivação diz respeito ao funcionário calaceiro, faz-nenhum, calão que responde com ar de enfado ao cliente da organização ou que apresenta baixos índices de produtividade. São realmente poucos os casos de funcionários genuinamente preguiçosos, sendo mais legítimo seguir aqui um raciocínio semelhante a Simone de Beauvoir e postular: On ne naît pas paresseux, on le devient . Com efeito, na maior parte dos casos, o funcionário sofre de e por um ambiente e uma função que o não souberam ou sabem motivar. Um caso típico desta situação consiste na situação de tantos funcionários subaproveitados, a quem são distribuídas tarefas pouco compatíveis com as suas habilitações ou inclinações ou, como no caso do funcionalismo público, literalmente cilindrados por um sistema onde a simples antiguidade é militaristicamente um posto, seguindo assim uma estranha e perversa lógica que, se pode ser aceitável ao nível da caserna, não pode deixar de só poder ser visto como uma mentalidade alienígena e alienante dentro de instituições que se destinam a fazer frutificar a matéria cinzenta e produzir, difundir e tratar informação como é o caso das bibliotecas, arquivos e centros de documentação.
(Pausa para respirar após uma tão longa tirada. A plateia murmura e abana as orelhas em aprovação.)
Ora, um dos factores que levam o gestor, ou o supervisor por este delegado, a classificar um funcionário prende-se com uma incapacidade destes em resolver os problemas que estão na base da desmotivação. Assim sendo, encontra no refúgio de uma fácil quão veloz e redutora classificação para justificar a sua própria inoperância. No fim de contas, perante um diagnóstico tão evidente de preguiça congénita, degenerativa e crónica, nada mais resta aos ilustres físicos do que, ora com um ligeiro flectir dos ombros, um tremor no olhar e assumindo um tom entre o consolador e o paternal, ora com a arrogância prepotente e insegura de ser um fruto típico de liderança de primeira geração, proferir o fatal veredicto: O seu é um caso perdido! Nada mais há a fazer ou a dizer! Não se pretende aqui proceder à crítica do funcionalismo público e de uma certa vocação previdencial da sua filosofia para se proceder a um panegírico do sector privado. De resto, a situação de desmotivação pode residir na precariedade laboral ou na aplicação selvagem dos princípios advogados pelos Chicago Boys, sejam estes os rapazes simpáticos de Al Capone ou os muchachos do Sr. Milton Friedman (para o leitor menos atento, esta última foi uma singela homenagem a uma das crónicas que o Brederode dos Santos escreveu no EXPRESSO, quando este ainda era um jornal e não uma colecção de suplementos, a respeito do nosso inefável Presidente e então Primeiro Ministro).
Uma vez que até ao presente momento ou desmotivamos os que ainda não sabiam isto ou produzimos o mesmo junto efeito junto dos que já sabiam isto e muito mais, vamos prosseguir com o nosso espectáculo, abrilhantando-o com um medley onde se pretende dar uma visão de conjunto e particular das várias teorias sobre motivação.

CAI O PANO
FIM DO ACTO I


DIVERTISSEMENT MUSICAL
(INTERVALO DE MEIA-HORA PARA SONHAR)


(O Narrador percorre obliquamente o palco até chegar àquele ponto, junto dos cortinados, onde um foco aguarda pacientemente que alguém adentre o seu cone de luz. O velho gramofone foi substituído por uma pequena orquestra de músicos eslavos que produzem no espectador a mesma sensação de estupefacção sentida pelo Prof. Diogo de Abreu face aos violinos magiares a tocarem as Czardas nos restaurantes de Lutecia Parisiorum. Um emigrante do Bangladesh tenta vender uma hipótese de rosas a um casal pindérico que vai entrecruzando a visão da peça com uns beijos que repenicam e ecoam por entre as angustas paredes da viela. No palco, uma escadaria com ademanes de Broadway preenche o fundo da cena. Maslow, vestido com um estranho “fuseau” de Lycra preta aparece no cimo da escadaria, iluminado por um foco colorido que lhe dá um toque de alface e, aos primeiros sons de Schoenberg, irrompe num bailado sincopado que em tudo faz lembrar os “ballets mécaniques” de Fernand Léger. O Narrador prossegue a leitura de outra folha precocemente arrancada a um caderno, não sem antes ter dobrado e guardado cuidadosamente a precedente no regaço.)

NARRADOR

Assisti agora, gentil plateia, ao evoluir de Maslow. Sim, porque hoje, ao contrário do que se poderia supor ou esperar em tão pobre teatro, ireis ver um sem número de vedetas e glórias, de tempos idos e presentes, que, com o sangue e suor dos seus corpos, decidiram apoiar este pobre grémio de comediantes à beira da falência. Por isso, benévolos espectadores, contribuí para, com a prodigalidade e a liberalidade das vossas notas, aumentar a receita de tão singela representação.
(O Narrador enfia as mãos nos bolsos e, com um sorriso nos lábios, procura desesperadamente encontrar um vislumbre de motivação para contribuir nos olhos de uma plateia que, arvorando um esgar de piedade, o vê puxar os bolsos vazios para fora numa eloquente demonstração de penúria. Maslow continua a evoluir.)
Foi no já longínquo ano do Senhor de 1942 que este artista, de cujas evoluções gozades o espectáculo, se lembrou de, tendo de apresentar uma comunicação a uma sociedade psicanalítica e não sabendo como descalçar a bota, fundir num requintado “pot-pourri” uma série de conceitos retirados do pensamento de tão grandes figuras como Freud, Jung, D. M. Levy, Adler, Fromm, Horney e Goldstein. Segundo este cavalheiro, a auto-motivação seria a chave para o cabal preenchimento das humanas necessidades. Contudo, estas obedecem a um esquema fortemente hierarquizado e piramidal, pelo que não se deve confundir o próximo esquema com um panfleto do turismo egípcio. Assim sendo, as necessidades mais idealistas e complexas formam a pedra angular da pirâmide, enquanto o sopé se encontra ocupado pelas necessidades primárias. A pirâmide encontra-se dividida em dois grandes corpos, um primeiro, abrangendo as necessidades primárias, em cujo primeiro patamar se situam aspectos como os que tocam os campos da sobrevivência física; ocupando as preocupações com a segurança e a estabilidade o segundo patamar. O segundo corpo da pirâmide encontra-se divido em três patamares que, ascencionalmente, passam de questões como o reconhecimento e a aceitação sociais, para a noção de respeito próprio, êxito e auto-estima, para, num último esforço, atingir o cume onde o seu interesse é preenchido por conceitos como o da consciência da necessidade de auto-avaliação. Uma vez atingido o cume, o fotógrafo de serviço bate uma chapa destinada a documentar para os vindouros uma tão árdua ascensão.
(Maslow, no topo das escadarias, deixa-se fotografar numa pose indolente provocada pelo cansaço de um percurso ascensional em tudo semelhante aos devaneios dos senhores da Escola mito-crítica.)


Esquema 2: Pirâmide das necessidades de Maslow (ver post seguinte)

(Maslow vai alegremente saltarelando e, no seu “fuseau” negro, subindo as escadas enquanto o Narrador vai, com a ajuda do miraculado ponteiro, explicando aos profanos os solenes e ascensionais mistérios do esquema acima reproduzido. O Narrador, vendo Maslow que estaca no cimo das escadas, prossegue o seu discurso não sem antes ter feito uma vénia à gentil audiência.)

E eis, meus caros senhores, que chegamos à prova dos nove: a Teoria da Hierarquia das Necessidades é um desses becos sem saída que todos nós conhecemos. É um pouco como um desses perpétuos apaixonados que, passando a vida a suspirar e a escrever inúteis peças de teatro sem nunca encontrarem no seu imo essa energia que os leve a confessar a avassaladora paixão que lhes corrói esse relógio de corda que se chama coração, adoptam uma estratégia de aproximação por etapas. Um dia, dia fasto entre os fastos, lá revela o fatal segredo e só então se lembra que já ultrapassou largamente os setenta anos e que deixou de ter uma razão de viver. Assim, nada mais lhe resta a não ser escolher cuidadosamente a corda que lhe irá servir de cabide na primeira árvore que encontrar, não sem antes ter feito testamento ao amor de su vida. Considere o gentil público quão desmotivante seria ficar sem objectivos por nada mais ter a reclamar, pense no tédio que sentiria e tire as suas conclusões.
(A luz que incidia sobre Maslow apaga-se repentinamente. O Narrador, não o vendo, exclama):
Onde vais, ó Maslow que tão presto te apartas do nosso alcance? Retorna ao nosso grémio que chegada é a hora da redenção e em mim encontrarás o grave bordão que te advogará a causa junto de tão augusta plateia! Retorna! Retorna! Retorna!
(E é neste momento de intensidade dramática em que o espectador tenta represar o aquoso fluxo que se apresta a descer-lhe pelas aquilinas faces e em que uma gentil hospedeira, vestida de coelhinha do Playboy, atravessa a plateia vendendo lenços de papel, que, sorridente, por entre os balaústres alabastrinos da escadaria, surge o rosto pálido e tímido de Maslow. O Narrador prossegue):
Ó Farol de verdadeiro saber, pois não foste tu quem, ó fatal maravilha das Ciências Documentais, ao alertar, com o teu avisado juízo, dos perigos inerentes à criação de grupos informais independentes da organização, obtiveste o prodígio de conseguir encasquetar a noção de trabalho de grupo nos gestores e acabaste com os jogos de bridge durante o expediente.
(O foco que incidia sobre Maslow extingue-se definitivamente. Após um breve interregno para meditar sobre o sentido profundo de tão singelo quadro, a cena ilumina-se de rubros alvores, de ambos os lados, com movimentos belicamente orquestrados, dois grupos digladiam-se num expressivo exercício de esgrima. As primeiras notas do Montecchi e Capuleti da Suite nº2 da Op.64 de Prokofiev erguem-se solenes)
Prestai agora atenção, ó ínclita plateia, para os dois grupos que ferinamente combatem e nestes encontrareis a brilhante coreografia de Herzberg. Atentai agora nesses corpos nus que parecem saídos de um filme de Leni Riefenstall! Varrei do vosso espírito as pecaminosas ideias e o influxo da funesta serpe e concentrai-vos por um instante na pureza original da adâmica veste. Ah! Quão belo é, na sua simplicidade o interior do Homem! Sim, porque onde alguns nada mais vêem para além de um triste conjunto de viscerais tripas, eu vejo o factor de motivação, o Homem posto a nu, suado com os ardores do trabalho que o motiva pois acredita encontrar no suor do corpo as doces volúpias da satisfação. Atentai na pujança viril desses corpos quando arremetem, quais novas estátuas do Nacional Estádio, contra esses vultos engravatados que, quando não se defendem do nauseante suor dos atacantes com o felino florete e o vetusto cajado, se catam meticulosamente uns aos outros. À falta de outro nome, chamemo-los factores higiénicos. Atentai como as constrições do ambiente influem tristemente sobre os espíritos dos míseros humanos e, não lhes concedendo as graças da satisfação, os transformam nessas larvas que endogamicamente se catam.
(Um dos homens nus, na sua pujante arremetida enfia o pé num dos buracos. O público explode em sonoras gargalhadas, o Narrador gagueja não percebendo o porquê, o moço que ajuda no palco atravessa a cena quando, de repente, um grito de terror irrompe de todas as gargantas em uníssono. O moço, do fatal florete ferinamente ferido, desfalece e falece. O Narrador grita):
E agora, onde é que eu vou encontrar outro Mercúrio?
(Virando-se para a plateia.)
Queira o gentil público desculpar este pequeno imprevisto, mas se me concederdes um breve intervalo, prometo que tudo se arranjará.
(Voltando-se para o corpo de bailado, em surdina)
Desapareçam daqui antes que os esbirros do Intendente aqui apareçam e me fechem a chafarica. Tomem lá alguns trocos e desapareçam-me da vista! Ah! A propósito, passem pelo ecoponto mais próximo e arquivem-me o cadáver no contentor do orgânico. Vá lá, nada receiem que este não é um desses cadáveres esquisitos que para aí andam em certas traduções.
(O corpo de bailado volatiliza-se e o espectáculo prossegue. O narrador, à parte, com um olhar cúmplice em direcção ao público)
Queira o gentil público desculpar, mas o melhor será concluir oral e rapidamente a ideia de Herzberg para evitar que a polícia chegue enquanto se está a falar do responsável. Ora, a teoria de Herzberg funciona um pouco como a de Maslow. Assim, os factores higiénicos podem ser visto como as necessidades primárias. Com a implementação destes, o gestor procura satisfazer aspectos como a questão salarial, o enquadramento tecnológico, a segurança laboral. Por outro lado, ao abordar a questão dos factores de motivação, o gestor toca em teclas sensíveis como a do reconhecimento profissional e vai criar satisfação junto dos funcionários. Porém, são vários os problemas desta teoria. Em primeiro lugar, a aplicação dos factores de motivação não acarreta obrigatoriamente uma satisfação globalizante pois uma melhoria nas condições de sociabilidade pode provocar insatisfação junto de um colaborador misantropo. Por outro lado, a teoria de Herzberg parte de generalizações e nem sempre é clara. pois a satisfação pode depender, quer do conteúdo do trabalho, quer do ambiente do mesmo, quer de ambos.
(O Narrador surpreendendo um espectador que cochicha com o vizinho.)
O Senhor espectador não deixa de ter razão, esta é uma teoria que, a respeito da motivação, pouco diz, reduzindo a questão aos aspectos da satisfação/insatisfação, ou será que é da desesatisfação? Em todo o caso, é melhor continuar antes que se faça tarde.
Mas, que vejo? Um agente da autoridade deambula por entre a nossa excelsa audiência. Se o senhor agente procura o morto, este já se retirou do nosso convívio.
(O polícia desata a chorar baba e ranho de todo o tamanho, no mais excruciante desespero, enquanto o Narrador interrompe o espectáculo para paternalmente o consolar)
Vá lá, não se preocupe que um dia ainda vai conseguir chegar a tempo ao local do crime. Afinal de contas, nem tudo está perdido pois o vosso choro revela que se encontra motivado para o trabalho mas neste não encontra satisfação. Mas a minha assistente Maria dos Prazeres e Morais pode dar uma ajuda.
(Chama-a e eis que acorre a menina do Playboy que, após ter dado um pacote de lenços de papel e uma afectuosa palmadinha no posterior do agente, lhe dá o braço. Ambos se afastam dançando o Can-can. O espectáculo prossegue.)
Reparai agora nessa figura, de kilt vestida, que olha para a esquerda e para a direita sem saber se deve seguir na direcção X ou Y. Mas, parece que o reconheço. Ora aí está! Gentis Damas, excelsos Cavalheiros, meninos e meninas, tenho a honra de vos apresentar Douglas McGregor. Mas vejamos o que oferecem as duas vias que McGregor, na sua dicotómica escolha, hesita em escolher. Atentai agora nesse vulto cinzento que, qual fantasma de Banquo, entra deslizando pela esquerda. Não é que algum necromante ressuscitou a velha concepção científica do colaborador passivo e preguiçoso! Oh! Cérbero!, que assim deixaste escapar um espírito da Planície dos Narcisos! Porque te desmotivaste? Acaso não encontras satisfação no trabalho? Será o teu um daqueles casos de desesatisfação? Mas treme e teme a tremenda, tonitruante e funesta ira dos divinos esposos gestores do Hades e submete-te ao tríplice juízo dos supervisores Eaco, Minos e Radamanto.
(Voltando-se para o vulto que não lhe responde e permanece em silêncio enquanto o 4º Andamento da Sinfonia Fantástica irrompe pelos ares.)
E tu, porque tornas a ensombrar o mundo dos vivos? Acaso se vivem tempos de neo-liberalismo feroz em que a precaridade destrói o vínculo sagrado que liga o colaborador à instituição? Mas vejo que te contorces e te agitas! Algo te perturba? Acaso não vês que a mobilidade e a flexibilidade que ora ostentas não motiva o nosso ilustre público?
(O Vulto prepara-se para intervir.)
Que a tua boca não pronuncie o fatal discurso e a tua presença não inunde os nossos espíritos do científico rigor!
(Volta-se, em sinal de nojo, para o outro lado do palco. Lentamente, uma criatura jovial vai entrando. A Mère Oie de Ravel plana em círculos concêntricos sobre o palco.)
Mas, que vejo, quem é este vulto de amistosas e amáveis feições que agradavelmente o nosso grémio invade? Reparai agora quão sociável e balsâmico é o nosso novo companheiro. Vede com que graça porta o Y sobre a lapela, com que brio, com que “donaire”, com que garbo. Mas, agora reparo nesse ar confiante e satisfeito de quem se sente responsável, nesse carácter activo, no espírito de iniciativa e no penteado criativo. Mas, que vejo? Não ousa este mísero e mesquinho ofender a doce harmonia do quadro com um atacador de cada cor. Oh! Que desleixo, que anarquia é esta que nos invade a cena e nos agride a estética? Disciplina, um pouco de disciplina. Estou em crer que um cocktail com uma base de mistura deste e do vulto da via X, com algumas gotas de limão, bastante gelo e três gotas de angustura, desde que fosse servido em copos em suporte de vidro, podia ser uma boa ideia para servir no buffet do próximo congresso de qualquer organização de bibliotecários, arquivistas e documentalistas.
(O Vulto da via X, ouvindo falar de si, aproxima-se de Y e, dando-lhe o braço, com ele se afasta. O espectador tem dificuldade em reconhecer Ebony and Ivory de Paul MacCartney e Stevie Wonder, de tal modo X persiste em respeitar os compassos e Y continua a partir em cavalgantes solos. Saem juntos pelo fundo.)
Mas, que vejo, ainda não nos vimos livres destes dois e já outros dois nos entram pela porta dentro. Reparem como discutem acaloradamente, com que sofística veemência procuram puxar a brasa à respectiva sardinha.
(Dois jovens, mascarados de Filóstrato e de Luciano, entram mimando uma acalorada discussão e vão, ora caminhando, ora parando para melhor debater o tema que os ocupa, percorrer toda a área do palco durante a próxima intervenção do narrador. Lentamente, a atenção da esplêndida plateia passa dos dois para uma melodia, inicialmente impossível de identificar mas já cativante, até se perder no meticuloso e preciso dédalo do 1º dos Concerti Grossi de Corelli. É nesse momento que o Narrador prossegue.)
Leio agora nos Vossos rostos a perplexidade por não perceberdes muito bem o que aqui fazem. Não convém aos Vossos serenos fácies a crispação sob pena das rudes rugas repentinamente irromperem nos rostos Vossos. Ah!, mas já me esquecia, estes que assim perplexamente observades, palradores como as Alegres Comadres de Windsor, o perfeito espelho da inocuidade são. Atentai agora nesse vulto canudo que esbraceja furiosamente defendendo o seu entendimento. Reparai com que oratória graça e burilado gesto e expressão este novel Marco Túlio defende o seu Árquias. Reparai na erecta postura e como o superior membro para o empíreo aponta. Este que aqui vedes Alderfer é e a sua glosa reelaborativa de Maslow defende. Não é que este sofista vai partir de Maslow para contestar o velho mestre. Ah! Leio nos Vossos severos rostos a justa repreensão por ousar contestar o Conselho dos Anciãos.
(A Soror Mariana de Dantas atravessa a cena, dirige-se para o Narrador e pergunta-lhe pelo Chamilly. O Narrador encolhe os ombros e, deixando sair o anacrónico pinguim, prossegue o seu monólogo).
Desculpai, com a Vossa elevação, este pequeno imprevisto mas a pobre pensa revestirem as suas necessidades primárias as formas de um capitão de cavalos com os ademanes de um estivador de Alfama. Ah!, a propósito e já que falo de necessidades. Diz este Alderfer serem três as necessidades fundamentais para melhor caracterizar a motivação face ao quotidiano labor. A primeira destas necessidades com a existência se prende e a preservação e satisfação do bem-estar físico cobre. A segunda destas Parcas às necessidades de relacionamento referência faz, e é ver com que maternal efusão embala o desejo de interacção social. A terceira o fio do crescimento fia e neste engloba fibras do desenvolvimento humano e da competência pessoal para obter a satisfação das necessidades de auto-estima, auto-confiança e auto-realização. Mas, que ouço? Os meus tenros pavilhões das palavras ofendidos são! Não destrói este do velho mestre a piramidal estrutura e a ordem da hierarquia baralhar não quer? Pois outro não faz quem da hierarquia pretende a flexibilidade incrementar e, defendendo necessário não ser a ínfima necessidade satisfazer para à superior passar, ao colaborador a graça concede de em múltiplas necessidades se concentrar.
(Chegados a este ponto e vendo um espectador que começa a bocejar, o Narrador vira-se para o outro sofista e prossegue o seu discurso. A gentil plateia, vendo o barthiano Punctum repentinamente cambiar, voluntariamente interrompe o doce bocejar.)
Reparai agora, ó humana gente, na verve e na graça deste jovem eloquente. Atentai como se exprime, com que garbo, com que brio, com que valor, nas hostes inimigas o seu ilustre verbo infunde terror. Mas aproximemo-nos e ouçamos juntos deste novo Catão a diatribe.
(Uma voz ergue-se, profunda e cava, vinda dos bastidores: Quousque tandem abutere, Maslovie, patientia nostra? Para trás o Narrador um salto dá enquanto o previsto terror nas faces da audiência espelho encontra.)
Mas, que profano som o meu doce tímpano assim percute e, qual novel Hipólita, o meu estribo audivelmente cavalga? Mas, agora percebo que de McClelland se trata.
(Virando-se para o público)
Nada temais, ó clara e ilustre testemunha dos nossos cénicos esforços, pois das costumeiras necessidades vamos aqui falar. Ora McClelland a explicação da motivação na teoria das necessidades adquiridas faz assentar para em tríplice porção as enunciar. Se o colaborador na sua actividade um bom profissional ser desejar, da necessidade de realização se deve tratar. Se o colaborador aos seus companheiros de trirreme o ritmo quiser marcar como necessidade de poder se deve indexar. Se, à fraternal távola, com a sua colegiada quiser o colaborador com os seus irmãos socializar a necessidade de afiliação deve o vosso claro espírito identificar. Por de necessidades individualmente aprendidas e ao longo do percurso adquiridas se tratar, na esfera individual do colaborador deve o avisado público meditar.
(Os velhos dos MARRETAS, sentados em cima de uma paragem de autocarro, tecem jocosos comentários entre si.)
Mas agora vejo que duas venerandas figuras da peça o intricado enredo conseguiram antecipar, o que não admira por obra de autor menor se tratar. É verdade que só uma parte das teorias quisemos tratar mas do individual para o geral optamos transitar. Todalas figuras que aqui aquelas teorias do conteúdo que das necessidades ou metas do indivíduo a motivação suficiente procuraram ilustrar haveis visto desfilar. A sua condução iremos agora demonstrar quando das teorias do processo nos ouvirdes discursar.
(Os dois sofistas, ouvindo tais propósitos, retiram-se apressadamente. Entram dinamicamente dois árbitros do COI. Charriots of fire de Vangelis inflamam a cena.)
Mas eis que de Olímpia o cálido vento ao odor de mel e urze pela bênção de Febo fundido às nossas gentes o nobre influxo faz chegar, que vejo já dois juízes olímpicos entrar e com milimétrica precisão a linha da meta determinar. Tão nobres gestos que misteriosos intentos ocultar poderão?
(Entra uma multidão de colaboradores, de fato de treino e gravata, que se alinham de um dos lados do palco. Cada um dos juízes se posiciona do outro lado formando uma linha de meta invisível. Um surrealístico Cherne com uma Uva na boca alaranjada dá o sinal de partida e o galope e o atropelo começam. O Narrador exclama.)
Quão triste é o mester de comediar e ingratas as sortes de quem o público deseja recrear! A minha grave voz que pelas paredes do Globe e da Comédie a glória de Metastasio, Gôngora e Maître Poquelin ressoando difundiu, vê-se, na canuta idade, condenada a produções de terceira ordem onde o jovem bairradino porcino com o mandibular pomo e a anal cenoura é preterido e onde, não podendo pagar a glória do imortal Cherne, recorrem a um Peixe do Imperador (e esta é a sentida homenagem ao mestre da evasão e actual Presidente da Comissão Europeia). Reparai na escamuda carapaça e notai como esta, do vermelho ao laranja cambiando, da argêntea paleta do Cherne a nibelunga graça não possui. Mas desculpai as minhas jeremíades e atentai como se esfalfam os administrativos atletas a tentar melhorar o seu desempenho. Pensai que tudo isto nada mais é do que que a final visão de um longo processo em que os olímpicos ideais de melhor correr e de ir mais longe da motivação a causa foram.
(Quando estão a chegar à meta, o atleta que está em segundo lugar puxa pelos fundilhos do primeiro que, à adâmica veste vendo-se assim reduzido, com a gravata as partes pudibundas tenta cobrir. O novo vencedor recebe o ritual ósculo e a medalhinha de Santo Hilarião o Siríaco e parte feliz com a perspectiva de ver o seu retrato ao lado do do líder pelo eternamente perene espaço de uma semana. O Narrador prossegue.)
Se da Teoria por Objectivos os lentos ecos se vão espraiando pelos labirintos da memória já novos ventos nos trazem o Reforço.
(Entra Pavlov, acompanhado por um molosso que abundantemente se baba. O Narrador prossegue enquanto Pavlov vai deambulando pelo palco sempre seguido pelo cão. A música dos Pavlov’s Dog começa a soar.)
Da pavloviana via a Teoria do Reforço busca a tradição e reduzindo o homem a marioneta o faz viver uma bem mísera condição. Do canino exemplo o condicionado reflexo herdando, a dura lei de repetir ou não comportamentos vai postulando. E de Skinner os quatro princípios invocar para um sistema de penas, punições e condições edificar.
(O Narrador, apercebendo-se que o cão vai alagando o palco de baba e urinou para os cortinados, acelera o ritmo e apressa-se a concluir.)
São quatro as estratégias para melhor condicionar: se um reforço positivo se procurar obter da frequência do comportamento desejável o aumento se deve procurar; se um comportamento indesejável se procura evitar, a sua intensidade se deve aumentar; se um comportamento indesejável se pretende eliminar uma punição se deve aplicar e, se um comportamento desagradável procuras diminuir uma consequência agradável deves extinguir.
(O Narrador vendo no molosso um súbito interesse pela sua perna, retira um naco de presunto do bolso e atira-o para os bastidores. O cão e Pavlov, condicionados pela fome, correm para fora do palco. Entra uma alegórica justiça, com a costumeira venda e a espada e a balança na mão, que, entre os tropeções devidos à longa túnica, lá vai, “tant bien que mal”, percorrendo o palco em todos os sentidos. A música cessa perante tão nobre aparição.)
De referências comparativas a Teoria da Equidade parte para um sistema de recompensas criar. Das pessoas as contribuições procurando escalonar em semelhantes condições se devem estas observar. E eu à barbárica expressão benchmarking me poderia cingir se do verbo o esplendor não desejasse ver florir.
(A Justiça cai do estrado abaixo e parte os ditos cujos. Money makes the world go round começa a soar tocada por uma orquestra de Cabaret. Imediatamente se precipitam quatro espectadores. O primeiro a chegar pega nela ao colo e senta-a em cima de um barril de amontillado que se encontrava a passear por ali. O segundo e o terceiro levam-lhe a balança e a espada. O último recolhe a venda. A Justiça, recompostas a dignidade perdida e venda, a todos recompensa. O Narrador prossegue.)
Com a desastrosa queda quis o acaso propiciar o ensejo para da aplicação da justiça o meu verbo a glória do vil metal cantar. Reparai na recompensa que a todos dada é, mas o primeiro leva 10 dobrões, o segundo e o terceiro 3 cada um e ao quarto espera apenas um. Em verdade em verdade vos digo que a cada um será dado segundo o seu mérito.
(Em surdina, fazendo uma vénia para os espectadores.)
Acho que já li isto em algum sítio!
(Retomando a voz normal, o Narrador retira o enésimo papel do peito e, depois de os juntar cuidadosamente, os coloca, em monte, a seus pés. Vladimir e Estragon esperam numa paragem de autocarro. Um Vroom, Vroom do tráfego vai-se sentindo de tempos a tempos. O Narrador vira-se e prossegue.)
Que Vroom-Vroom este é que aos nossos ouvidos ofende e a quieta paz destes sublimes locais perturba? Das gentes o buliçoso passar acaso este boato levantará? Os longos pavilhões estiquemos e logo algumas partes compreenderemos. Dizem uns que quem espera sempre alcança, outros que algo desejar motiva para o esforço realizar afirmam. Mas, que ouço? Que profana e ínfima baixeza feroz o meu sentir assim fere? Alguém ousa reclamar a recompensa? Ó Homens de tempos idos em que se fazia o Bem pelo prazer da recta via, chorai comigo estes tempos em que a esperança desinteressada pelo interesse mesquinho se vê mudada. O tempora o mores!
(Vladimir e Estragon continuam à espera do autocarro. O Vroom, Vroom continua.)
Mas ouçamos que teoria pretendem desenrolar ao tentar uma tal ideia sustentar. Dizem estes as pessoas acreditar uma relação entre o esforço e o desempenho existir, que o bom desempenho deve conduzir a uma recompensa e que esta serve para satisfazer os pessoais objectivos. E sobre a canónica expectativa, a ordinária instrumentalidade e a auto-avaliação pretendeis edificar a vossa ideia? Mas não vedes, ó vós que assim bramais, que uma tal teoria não pode ser geral? Que as diferenças de visão da humana gente a tornam contingêncial?
(E quando o narrador se preparava para improvisar o final da tirada que os autores não tiveram a pachorra de escrever vê os seus intentos gorados pela entrada em cena de uma tão estranha quanto inesperada figura. Um samurai faz o seu ingresso rodopiando e fazendo voltear a sua catana em todas as direcções. Vladimir e Estragon fogem apavorados. O Samurai estaca repentinamente enquanto as titilantes notas da harpa de Kitaro começam a fazer-se sentir.)
Ó vós que do Mestre Lu dos enigmas tendes a figura, como ousais com a vil e viril virulência violar o vítreo valor da minha transparente tirada?
(O Samurai irrompe em movimentos giratórios e, chegando-se ao Narrador, com uma sucessão de golpes de espada reduz o monte dos manuscritos a um monte de tiras. Com um movimento ritual guarda a espada, recolhe meticulosamente todas as tiras, afasta-se com estas, senta-se e desata num lento origami. O Narrador surpreso, abre a boca em sinal de reconhecimento ao ver o Samurai das tiras de papel conseguir elaborar um exemplar do Theory Z: How American Business Can Meet the Japanese Challenge que vem mostrar à boca da cena.)
Mestre Ouchi, flor de lótus amarelo, que estranhos vapores de ópio a nós encobriram a Vossa vinda? Que a grande graça gloriosamente governe os desígnios da Vossa estirpe até à décima-quinta geração e três quartos pela honra que hoje magnanimamente nos concedeis ao iluminardes este tugúrio com a Vossa refulgente estrela.
(Três minutos de interrupção para troca de vénias. A menina do Playboy aproveita para vender pipocas. O polícia volta a aparecer transformado em vendedor de couratos e bandeiras do SLB.)
Repousai por um pouco a carne Vossa que da viagem as agruras a distância alarga. Deixai que, com a clarividente iluminação Vossa, eu expor possa à nossa gentil plateia a ideia Vossa.
(Ouchi faz mais uma sucessão de vénias. O Narrador prossegue.)
No saber nipónico cimentada concebeu Mestre Ouchi a teoria Z. Ao massificado individualismo que em terras do Novo Mundo grassa contrapõe Mestre Ouchi a tendência colectivizante de terras do Sol Nascente. Tendo passado da feudal idade para a industrial era, o empresário o Shogun substituiu ao oferecer segurança no trabalho, protecção e rendimento. De McGregor a honra venerada dicotómica foi a teoria formulada. As organizações do tipo A da tarefa a curto termo partidárias são. Dos funcionários é ingente a rotação, curta a avaliação e como Pégaso veloz a promoção. Mas a veloz promoção, consumindo a dura fibra das etapas, insegurança produz. Mas uma veloz rotação consigo traz a especialização. E a especialização à norma os preceitos obedecer faz pois ao gestor do profissionalismo a segurança apraz. Do trabalho a longo termo as organizações do tipo Z perfilham os ideais. Sentida a segurança para o tempo de uma vida laborar, o colaborador tenta o topo alcançar. Do despótico comando a solução afastada, a decisão participativa procuram atingir. Mas se a decisão e a responsabilidade consensuais tensões podem causar não serão estas mesmas do grémio a causa de uma coesão impar. Da holística preocupação com os colaboradores a organização Z se pode gabar pois o bem estar destes procura implementar e, a informalidade das relações defendendo, uma mais fácil sinergia vai obtendo.
(O Narrador faz uma vénia e prepara-se para a retirada quando um franzir de sobrolhos do Samurai o faz voltar ao seu lugar.)
Ah! Mas perdoai a um pobre velho a quem as cãs e da idade o ingente peso tristes partidas pregam. Do justo corolário a teoria necessita para que em Vossos espíritos a preclara ideia se espelhe. Não devem as organizações que à excelência motivacional miram seguir cegamente uma das vias não devem mas no largo desfiladeiro que entre as duas se espraia se devem sem mais delongas embrenhar. Pois quem nos meandros dessa oscura selva se internar à visão igualitária há-de chegar.
(O Narrador retira-se por entre salamaleques e vénias)

CAI O PANO
FIM DO DIVERTISSEMENT MUSICAL


ACTO II


(O pano ergue-se sobre uma cena enevoada onde um vulto se detêm em frente de uma trípode fumegante. Uma mulher que já não sabia a idade encontra-se sentada e mira o fogo enquanto, numa língua incompreensível pronuncia o fatal oráculo. O Narrador entra e, vendo o tétrico quadro, exclama.)
NARRADOR
Mas, que vejo? Que tetra visão a luz do meu espírito assim varre? Ó Vós que da autoria desta peça Vos gabais, como ousais o santuário das Letras profanar? Porque à Ademiana Sibila recorreis? Acaso pensais que o justo fluir desta peça a uma intervenção sibilar dever se possa? Pensai e do horaciano burilar o labor ilustre a divina possessão! Mas mesmo não acreditando no sibilino poder o ademiano oráculo desejo conhecer. Mas, que ouço? Por uma vez a divina criatura um bom conselho Vos deu. Mas, agora penso, do peso argênteo do óbolo os Vossos bolsos a preclara vidente seguramente aliviou? Mas ide e em longas entrevistas o clarividente verbo recolhei!
(O Autor pega nos tarecos e sai pelo fundo com um ar motivado.)
Ó dura e triste sina de noveis escritores o verbo dever representar! Ó fadiga imane de aos caprichos e hesitações de aprendizes de feiticeiro ter de na canuta idade obedecer!
(Voltando-se para o público com um ar cúmplice.)
Ó Vós, companheiros da desdita minha que a rudeza do argumento pacientemente suportais, o Vosso testemunho invoco junto do Supremo Tribunal das Musas! Que a fulmínea justiça de Zeus os nossos posteriores esturricar não possa quando às escarpas do Parnaso acedermos. Mas, ó Jove cuja sapiência das tetas de Amalteia em tenra idade sugaste, perdoai este aventureiro e que o Vosso fulgor atingir não possa quem já fulminado é de natura.
(O Autor volta a entrar em cena e, depois de algumas palavras breves, entrega ao narrador três folhas. O Narrador, depois de dar uma vista de olhos, fixa a audiência, fita o empíreo e, depois de um inaudível solilóquio com Zeus, em tom decisório proclama.)
Não querendo o recto verbo com a barroca prosa deste escrito contaminar, julgamos oportuno as entrevistas anexar (por motivos éticos e conterem nomes de pessoas foram retiradas - Aqui ninguém pertence à Fundação KIM IL SOARES). Só assim a justa ira que do Olimpo ora desce se poderá deter e a salvação deste desgraçado se poderá obter. Mas, para que da inconsequência da farsa não se possa o espectador queixar, à Vossa contribuição quero apelar. Durante o intervalo que se segue, a minha assistente com profissional rigor vai os textos das entrevistas nas Vossas ínclitas mãos pôr.
(O Narrador retira-se enquanto Maria dos Prazeres e Morais, no seu disfarce de coelhinha, distribui programas, beijinhos, pipocas e outras coisas boas. A multidão, sôfrega de saber, procura nos programas recuperar a informação.)
CAI O PANO
FIM DO ACTO II

ACTO III


(A cena apresenta-se despojada de qualquer adereço. O Narrador entra e, depois de ocupar uma posição central no palco, dirige-se directamente ao público.)
NARRADOR
Seguro estando que a Vossa sagaz previdência durante o intervalo o programa devorou e as generosas curvas da minha assistente tranquilas deixou, avançar posso para da inquisitória actividade os resultados submeter ao escolástico parecer.
(Em tom cúmplice)
Confidenciou-me o Autor desta farsa a sua aflição por dos inquiridos a resposta tardar em chegar. Coisas de jovens! São novos, não pensam e vox populi vox dei: «Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga!» De correr sentiram a necessidade para dois inquéritos poder apresentar, mas a qualidade impôs-se sobre a quantidade. O critério seguido foi o de apresentar do mester a opinião de profissionais em diferentes pontos da carreira. De fonte segura obtive a certeza de ter o Autor procurado cobrir os vários patamares do duro ofício. Mas, madrasta foi a fortuna para os audazes e, da Eneida não bebendo a cristalina linfa, do dual resultado mais para além não foi. Quis o pobre descorçoado desistir da dura demanda que em torno do motivacional saber ora se agita. Mas o dever alçou a sua nobre voz e, com a gravidade solene que sempre usa na lapela do fato domingueiro, qual Séneca assim falou: «Ó Vós que do motivacional saber na demanda inútil satisfação procurais, porque vos deixais o espírito turvar com os negros influxos de aziaga jornada? Acaso não sabeis que se nem sempre a fortuna as suas graças concede aos audazes, menos verdade não é que a necessidade aguça o engenho? Porque chorais? Porque da cinérea substância os Vossos já provados bestuntos aspergis? Porque dos capilosos apêndices as raízes extirpais e das mercenárias carpideiras os prantos encomendais? Na dual resposta a solução procurai e com de Palas o influxo o resultado apresentai!» O Autor tremente e temente escapa para um lado e a correr debruçar se vai sobre as inquisitoriais demandas.
(Retomando o assunto, após este breve mas elevado interlúdio, o Narrador assume uma pose de Magister diante de uma tela onde as sombras chinesas das entrevistadas se vão projectar.)
Uma competente mas novel profissional qual vítima sacrificial ao inquisitório altar conduzida foi. Da idade o voluntarismo mitigado por dois anos de lavorativo experimento o retrato obtido foi cabal. Se a motivação é do seu discurso a nota fundamental, algumas pequenas notas ensombram a idílica perspectiva. Um dos aspectos que esta bucólica paisagem vão obnubilar prende-se com a inoperância egualitária da função pública sendo a entrevistada partidária de um sistema de recompensas tão à maneira das teorias da equidade e das expectativas. Por outro lado, a criação de uma mentalidade empresarial pública e privada que seriamente aposte na formação defende. Não deixando de salientar da instituição o cuidado em as contas pagar, o reparo à falta de incentivos não deixar de preocupar. Outros dois aspectos que do justo relevo dignos são com a função do bibliotecário e o papel do gestor/chefe/leader revelam a sua condição. A visão do bibliotecário toupeira que, por detrás dos seus garrafais óculos, qual ácaro que do livresco pó a sua substância vai retirando ultrapassada está. O bibliotecário o trabalho não deve temer e do cinéreo pó a espessa camada deve remover. Desempoeirado e com um Y ao peito deve o bibliotecário ser capaz de funções delegar e orientar, de com os colaboradores falar para os resultados optimizar e a justa dinâmica deve instituir se clientes à sua instituição quer ver afluir.
À luxuriante e científica biblioteca foram os autores arrancar a outra vítima a sacrificar. Mas, por de um patamar diverso se tratar algumas diferenças iremos encontrar. Do juvenil entusiasmo da primeira dissipados os fumos estão pela convicção da falta de reconhecimento social tão cara a Maslow, Herzberg e à teorias Y são. Igualmente contrariada é a tendência para a recompensa. À distinção entre reconhecimento e recompensa procedendo, para os perigos para a coesão da equipe da última alerta. Mas a grande nota vai para uma aproximação às humanísticas ideias do Ouchi de Z e do McGregor de Y. Um líder deve ser capaz de motivar e de, num ambiente de coesão, criar as condições para o trabalho efectuar. Assim, a recompensa e os atritos deve afastar e na sua equipe e no comum projecto confiança depositar.
(O Público desata numa apoteótica ovação a que o Narrador vai agradecendo enquanto se vai retirando.

CAI O PANO
FIM DO ACTO III


MORALIDADE

NARRADOR
Da Vossa ilustre paciência abusar quisemos e com o ilustre verbo demonstrar que com um pouco de bom-senso e boa-vontade as teorias subjectivas vãs são. Pelo que se assim o duro labor quisemos nomear foi por o shakespeariano título não querermos plagiar. Pois da polissemia do conceito a terrífica discussão, se numa expressão quiséssemos sintetizar, de Muito barulho por nada poderíamos falar.

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